domingo, 31 de julho de 2011

Denunciado escândalo dos livros

Matéria publicada no Diário do Litoral (18/07/2011) por Carlos Ratton

O Ministério Público (MP) de Santos instaurou inquérito civil para apurar possíveis irregularidades na compra de livros didáticos pela Secretaria de Educação de Santos. A denúncia foi encaminhada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos (SINDSERV), que suspeita de superfaturamento.




A 12ª Promotora de Justiça, Marisol Lopes Mouta Cabral Garcia, é a responsável pelo inquérito. A compra foi feita via pregão eletrônico, ocorrido no início do mês passado, totalizando cerca de 98 mil livros, na ordem de R$ 7,6 milhões.



A empresa vencedora da licitação é a Somai Equipamentos de Informática e Representação Comercial Ltda. O resultado da licitação foi publicado no Diário Oficial de 7 de maio deste ano.



Os livros são da Editora Aymará. Cada livro de 40 páginas custou, em média, cerca de R$ 80,00 - o que corresponde a um custo de R$ 2,00 por página. Mas há lotes de livros na ordem de R$ 120,00 por unidade.



Segundo apurado pela reportagem, uma comissão de professores, juntamente com o sindicato, deverá ir até o MP para fornecer detalhes que se façam necessários para as investigações.



Sem necessidade



Segundo o diretor do SINDSERV, Rubens Matos, a suspeita de irregulardade é muito grande, visto que não existe a menor necessidade de aquisição do material.



“Estamos praticamente em agosto e os alunos já possuem material encaminhado pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação (MEC)”, afirma o diretor.



Rubens Matos explica ainda que os professores não participaram da escolha do material e que a intervenção pedagógica promovida pela editora não é interessante nem para os alunos, nem para os professores da rede pública.



“A reclamação é generalizada entre os professores. Além disso, a Secretaria de Educação não investe nada para melhorar as condições

de trabalho dos educadores e, em contrapartida, gasta milhões com livros fora de época, praticamente quatro meses do fim do ano

letivo”.



Secretária sob suspeita



O presidente do SINDSERV, Flávio Antônio Rodrigues Saraiva, que assinou a representação, confirma o depoimento do diretor. Ele explica, no documento encaminhado ao MP que, como o ano letivo começou em fevereiro, os professores já finalizaram o planejamento de atividades até dezembro, compartilhando, inclusive, as propostas com os pais e responsáveis dos alunos.



“Em nenhum momento, as unidades de ensino foram avisadas sobre os livros didáticos novos, que chegariam apenas no segundo semestre deste ano. Sendo tão importantes e caríssimos, por que a rede municipal não iniciou o ano letivo com tais publicações?”, afirma o presidente.



Flávio Saraiva levanta ainda suspeitas sobre a secretária de Educação de Santos, Suely Maia. “É público é notório entre os educadores da rede municipal de ensino que esta empresa, conhecida pelo nome fantasia de Editora Aymará, é muito próxima da gestão da secretária de educação, tendo seus representantes livre trânsito dentro dos estabelecimentos de ensino”.



Ele também afirma, no documento, que os educadores são obrigados a realizar avaliações dentro dos critérios impostos pela editora e que as equipes técnicas são desrespeitadas com a intromissão, que ofende vários princípios pedagógicos.



“As obras são pedagogicamente inúteis. O governo federal envia, anualmente e sem nenhum custo para a cidade, milhares de livros didáticos, que atendem todas as necessidades pedagógicas dos educandos”.



Rombo aos cofres



O presidente do sindicato dos servidores conclui a denúncia alertando que a licitação representa “um rombo aos cofres públicos” e uma interferência indevida no dia a dia escolar. Ele pede ao MP uma ação civil pública com o objetvo de anular “tal aberração jurídica, financeira e pedagógica”.



Professoras inconformadas



As professoras Andréa Braga Salgueiro e Daniela de Sá Andrade estão inconformadas com a situação que, segundo contam, não é novidade na Secretaria de Educação.



“No ano passado, esses livros chegaram em agosto. Além de fora de tempo, os valores foram para o ralo, pois o material mal foi aberto. Os professores ainda foram obrigados a aplicar prova de um conteúdo em que os alunos não tinham conhecimento. Uma aberração”, afirma Andréa Salgueiro.



A colega Daniela Andrade vai mais além. Ela afirma que sofreu reprasálias por parte da Secretaria. “Fui perseguida por me negar a aplicar avaliação baseada nos livros atrasados do ano passado. Os livros encaminhados pelo MEC são melhores e foram escolhidos pelos educadores”, finaliza.



Merenda

Não é a primeira vez que as atitudes da secretária de Educação de Santos causam polêmica e desconfiança da opinião pública. Ainda este ano, Suely Maia foi protagonista de uma cena lamentável contra uma jornalista, que denunciou, após ouvir pais de alunos, a má qualidade da merenda escolar.

A repórter foi agredida verbalmente pela secretária e por algumas diretoras, causando repúdio aos jornalistas da região. Dias depois do ocorrido, Suely Maia teve que se explicar na Câmara dos Vereadores atendendo a um convite da Comissão Permanente de Educação do Legislativo.



Os pais de alunos criticavam o lanche fornecido a UME Cidade de Santos: duas bolachas e um copo de achocolatado. Diretoras, coordenadoras e funcionárias da Seduc foram dar apoio à secretária, que chegou a ironizar as denúncias.

Licença



Na última sexta-feira (15), dia de fechamento desta reportagem, o DL tentou uma entrevista com a promotora Marisol Lopes Garcia. Mas, por volta das 14h30, foi informado, por uma funcionária do MP, que a promotora estaria de licença maternidade, portanto, impossibilitada de se pronunciar a respeito do processo que investiga supostas irregularidades na aquisição de livros didáticos.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação esclarece que está providenciando o encaminhamento de informações ao Ministério Público, em relação à compra de livros didáticos. A Seduc tem plena segurança quanto à regularidade do processo licitatório realizado, bem como da qualidade do material adquirido.

No Estado

Segundo levantamento realizado pelo DL, promotores do Grupo de Atuação Especial Regional de Repressão ao Crime Organizado(Gaerco) do Ministério Público de Campinas (95 km a noroeste de SP) investigam eventuais fraudes em aquisições de materiais escolares de ao menos sete prefeituras no Estado.

Entre as suspeitas estão superfaturamento, favorecimento ao mau uso do dinheiro público e propaganda política irregular. Em uma gravação obtida pelo Gaerco, uma voz - que os promotores suspeitam ser de um prefeito - combina uma propina ao proprietário de uma editora para que a empresa vença o certame.

Existe ainda a suspeita de alguns partidos políticos terem sido beneficiados em 10% do valor total da compra do material didático. Os partidos beneficiados seriam indicados pelos prefeitos, segundo a Promotoria.