domingo, 31 de julho de 2011

A Revolta do Vices

Matéria publicada no Diário do Litoral (27/06/2011) por Carlos Ratton

Quando se busca uma definição da função, vice-prefeito é o segundo em exercício no cargo do executivo municipal. Ele é eleito através de voto direto, de quatro em quatro anos, juntamente com o prefeito, de modo vinculado. O vice é o substituto do prefeito municipal em caso de ausência por licença ou outro impedimento. Pode e deve exercer função dentro da administração municipal.


Porém, a maioria da população não sabe disso, não presta atenção em quem ocupa o cargo e muito menos no que ele faz na cidade. Tem gente que sequer sabe o nome dele ou dela. Mas, em certos casos, o ocupante do cargo pode se tornar “a pedra do sapato” do prefeito ou prefeita, tirando o sono mais do que vereador de oposição em tempos de crise administrativa.

Em quatro cidades da região, os prefeitos e prefeitas não deixaram de dormir em função do vice. Mas são obrigados a conviver com um ex-aliado político que sabe muito o que ocorre nos corredores do poder e, mais do que nunca, torce para que ele desocupe a cadeira.

Alguns não se conformam com a “geladeira” e partem para a oposição ao governo. Sempre que os holofotes os iluminam, não perdem tempo e tomam atitudes que nenhum prefeito, por mais democrático que seja, gosta: questiona um projeto, dá munição para os inimigos políticos, enfim, se rebela.

Em Cubatão, Itanhaém, Bertioga e Guarujá, os vices tinham várias opções: apenas representar o prefeito quando de sua ausência em eventos oficiais (como determina a Constituição); arregaçar as mangas, ocupar uma pasta no executivo e trabalhar; ou simplesmente ficar quatro anos sem fazer nada, apenas recebendo salário.

Mas eles resolveram protestar contra as decisões do chefe do executivo e contra os rumos da cidade que o elegeu, a ponto da amizade, que foi tão evidenciada nos palanques, se tornar um estorvo a quem manda e a quem, um dia, pretende sair da expectativa e, finalmente, mandar.
Desgoverno

Desgoverno. Essa foi a palavra escolhida pelo vice-prefeito de Cubatão Arlindo Fagundes – o mais revoltado de todos - para definir a gestão da prefeita Márcia Rosa. Segundo Fagundes, vários os motivos o levaram ao rompimento com o atual governo de Cubatão, como, por exemplo, a falta de comprometimento com os acordos firmados em campanha, incluindo os feitos por escritos e registrados em cartório, os quais, segundo o vice, não foram cumpridos.
A exclusão da figura do vice prefeito nas discussões dos problemas de interesse da população e a “falta de respeito quando por quatro vezes a prefeita viajou para o exterior sem sequer me comunicar - demonstrando total falta de consideração – além da vinda de pessoas de outra cidade, conhecidas pela população como gafanhotos, também foram motivos de meu descontentamento”, afirma Arlindo Fagundes.

O vice de Cubatão salienta que, durante o período de campanha, Márcia Rosa era totalmente contra trazer pessoas de outras cidades para ajudar a governar Cubatão e revela que seu descontentamento também se dá em função da retirada do motorista de seu gabinete, a suspensão de seu salário e “perseguição de pessoas ligadas a mim dentro do governo”, comenta.

Mais do que os argumentos listados, Fagundes afirma que não aguentava mais ser cobrado nas ruas pela falta de medicamentos, mau atendimento da estrutura governamental, péssima condição das vias, falta de compromisso com o servidopr público e outros. “Você não tem respostas nem instrumentos para solucionar os problemas, levando a seguinte questão: o que represento neste governo?" .

Finalizando, o vice de Cubatão não vê qualquer possibilidade de uma reconciliação com a atual administração em função de outros problemas que ele julga sérios, como falta de planejamento; abandono dos equipamentos municipais; obras faraônicas, enquanto os setores fundamentais do governo estão em falta como saúde, educação e infra-estrutura; a não valorização e o desrespeito ao servidor público.

A terceirização da máquina administrativa, como locação de vários imóveis na cidade, inflacioando o mercado imobiliário local; a locação carros (inclusive ambulâncias), de computadores e notebooks; e as reformas péssima qualidade dos prédios públicos fazem parte do rol de queixas do vice.

“A forma com que eles vêm administrando a cidade me leva a pensar que este governo não tem compromisso com a população e nem capacidade de gerir uma cidade tão importante como Cubatão, motivo pelo qual estou tomando outros rumos. Se após dois anos e cinco meses não houve um aproveitamento do meu trabalho não será agora, no final do mandato, que precisarão do vice para tornar a cidade melhor e, assim o fazendo, estariam me usando mais uma vez para benefício na próxima eleição”, conclui Arlindo Fagundes.

Descontrole

Mais comedido que o vizinho de Cubatão, o vice-prefeito de Itanhaém, Ruy Santos, define a administração do prefeito de João Carlos Forssell como descontrolada. Mesmo assim, Ruy Santos afirma que não rompeu com o companheiro de gestão, apesar de dar algumas “alfinetadas” no governo municipal.

“Não houve rompimento entre eu e o prefeito Forssell, e sim divergências quanto ao projeto político para o futuro da cidade e o desinteresse do governo com os interesses da população”, acredita.

Em suas considerações, Ruy Santos deixa transparecer uma certo ciúme com relação às escolhas do prefeito rumo à sucessão municipal. “Vendo meu descontentamento, o prefeito Forssell lançou outra candidatura representando a continuidade da atual administração. Quero afirmar que sou pré-candidato a prefeito independentemente do apoio da administração”, garante.


O vice de Itanhaém se conteve ao apontar falhas na atual administração, mas garante que existe a necessidade de um “choque” de gestão com a substituição de secretários e diretores “que não estão correspondendo no atendimento à população”. Fato que considera preponderante entre as divergências quando ao futuro da cidade.
Ruy Santos afirma que, como não houve rompimento, a palavra reconciliação não cabe. “Falei ao prefeito que continuo parceiro da cidade, ajudando até o fim do mandato. Porém, quero lembrar que meu projeto político diverge da vontade do prefeito, a minha vontade é um governo voltado para ouvir o que a população tem de prioridade em seu bairro”, salienta o pré-candidato à sucessão de Forssell.
Finalizando, Ruy Santos volta a demonstrar o sonho de ser, um dia, chefe do Executivo e o inconformismo pela escolha de Forssell com relação às eleições de 2012. “O prefeito já escolheu seu candidato e não sou eu”.
Infeliz

Alegando ter sido demitido na rua pelo prefeito Mauro Orlandini, o vice prefeito Eduardo Pereira, que respondia pela Secretaria de Obras do Município, classifica a administração como infeliz. “Sem que esperasse, fui dispensado no meio da rua em pleno expediente de trabalho”, afirma.

Por ser engenheiro civil e bacharel em Direito,o vice de Bertioga tem certeza que sua dispensa foi politica e não técnica. Ele afirma que seu trabalho estava causando ciúmes em parte da administração municipal que, segundo ele, há muito saiu das mãos de Orlandini.
“Sei que dificuldades existiam, mas estávamos trabalhando arduamente e, ao que sei, nos sobressaindo. Mas a desconfiança política, a falta de apoio e outros interesses acabaram superando nosso trabalho frente à secretaria de obras ”, explica Pereira

Eduardo Pereira revela que conquistou recursos para Bertioga e que a maneira em que ocorreu seu desligamento foi lamentável. “Procurei vencer todas as dificuldades impostas. Mesmo assim, conquistamos importantes recursos através de convênios para execução de várias obras. Sempre acompanhei de perto todas as ações junto à administração, procurando colaborar com o meu trabalho”, reclama.
O vice de Bertioga é duro em suas avaliações. Para ele, Bertioga sofre por falta de comando, transparência, de compromisso com um projeto de governo apresentado a população na eleição e que está demorando para ser executado. “A cidade segue sem rumo, sem direção, sem planejamento, buscando objetivos momentâneos e desfocados com os interesses da população”.
Sem citar nomes, Eduardo Pereira dá a entender que existem pessoas que mandam mais do que o prefeito. “O governo perdeu o compromisso com todos que lutaram para garantir o nosso êxito nas urnas, principalmente com a população que acreditou em um projeto de desenvolvimento para toda a cidade. Hoje, a administração gira em torno de um projeto para uma única pessoa”.
Sobre uma possível reconcilação, Pereira afirma: “não acredito. Embora se diga que em política tudo seja possível, sou pessoa de palavra e compromisso. Hoje já tomei um outro rumo, um outro caminho, onde espero ter o meu trabalho reconhecido, respeitado e valorizado, pois coragem para recomeçar não me falta”, finaliza.

Incapaz
A vice-prefeita de Guarujá, Regina Mariano, diz que a palavra que define o governo da prefeita Maria Antonieta de Brito é incapacidade. Para a esposa do ex-prefeito Maurici Mariano, Antonieta não tem competência para administrar Guarujá e mudou muito depois que assumiu o poder.
Regina afirma que sentiu-se “podada” no governo, sendo seus pedidos rejeitados pelos secretários e por setores da Administração, a pedido da própria prefeita Antonieta. Segundo conta, as respostas as suas iniciativas eram sempre negativas, como ações realizadas pelo Fundo Social que foram suspensas, causando constrangimentos irreparáveis.
“Fichas de pedidos de pessoas encaminadas pelo meu gabinete eram ignoradas. Eu descobrí que existia uma ordem dela (Antonieta) para que ninguém atendesse os pedidos da vice-prefeita. Foi quando decidi romper politicamente com ela. Principalmente depois da traição de ter tirado toda a minha família do comando do PMDB local. Família esta que a acolheu quando ela estava sem partido”, conta.

Regina confirmou que se falava nos bastidores políticos, dando conta que a presidência do PMDB foi acupada pelo vereador Cândido Garcia Alonso, o professor Cândido (candidato da prefeita), ao invés de Maurílio Mariano (candidato e cunhado de Regina). “Meu cunhado foi comunicado que sairia do comando do PMDB na véspera da eleição, sem a menor consideração”.
Regina Mariano continua em sua revolta pela falta de postura da chefe do Executivo de Guarujá. “Depois, meu gabinete foi reduzido a um cubículo. Fiz um pronunciamento de rompimento na Câmara e, como represália, perdi duas secretárias. Diante disso, larguei o paço”, conta a vice, em seu escritório localizado fora do Paço Municipal.
Regina Mariano afirma que um dos maiores problemas do governo de Guarujá é a inoperância, a falta de atenção para projetos dos secretários. “O secretário não consegue trabalhar por falta de aval da prefeita. Temos problemas na saúde, na educação, em obras, apesar da capacidade do Duino (Verri Fernandes)”, comenta.

A vice-prefeita faz um alerta, de quem conviveu muitos anos no poder, apoiando seu marido na Prefeitura. “As pessoas pegam um cargo e esquecem que ele dura somente quatro anos. Nossos funcionários trabalham sem motivação. Tem locais que não existe água potável para dar um medicamento. Ou seja, tem coisas básicas que não estão sendo feitas”, finaliza, confirmando que irá se manter no cargo, porque acredita que só a população tem o direito de retirá-la.
Mongaguá
Segundo informações, Mongaguá logo poderá entrar para o grupo de municípios da região em que prefeito e vice tomarão rumos opostos. O prefeito Paulo Wiazowski Filho, o Paulinho, até teria desalojado o vice, o médico José Fernando Monteiro de Alcântara, de sua sala, no Paço Municipal, após demonstrações de descontentamento de Alcântara.
Para tirar as dúvidas, a reportagem conversou, brevemente e por telefone, com o Doutor Fernando, como é mais conhecido no município onde foi vereador. Ele não comentou a história envolvendo seu gabinete, mas confirmou que não mantém o mesmo amor de antes: “não estou rachado com o prefeito, apenas descontente”, resumiu.
*Vice é coisa séria!
Muitas décadas e decepções se passaram, até que, finalmente, os homens públicos se dessem conta da real importância do “vice”: vice-presidente, vice-governador e, claro, do vice-prefeito.

Houve um tempo em que o vice era eleito, e por vezes de partido diferente do presidente, como ocorreu, por exemplo, com Jânio Quadros (UDN) e João Goulart (PTB), em 1962.

Mas o Golpe de 64 mudou a regra, instituindo a chapa fechada e, a partir disto, por algum tempo a escolha do segundo nome significava, tão somente enfeite - um adorno, no máximo um verniz de marketing para tornar mais palatável uma composição partidária.

Avançando um pouco mais no tempo, chegamos à chamada “Nova República”, no final dos “anos de chumbo” e início da abertura política, coroada pelo grande movimento das Diretas Já, quando o Colégio Eleitoral em Brasília se deparou com o nome do senador Tancredo Neves, do PMDB, candidato da oposição contra Paulo Maluf.
Na falta da abertura política completa, com eleições diretas, a Nação foi obrigada a se contentar com uma escolha de gabinete, sem a ação do cidadão junto às urnas, com Tancredo tendo, como vice, José Sarney, dissidente do PDS e que, com o falecimento de Tancredo, acabou se tornando presidente.

Foi então que a figura do vice passou a ser tratada com mais cuidado, embora ainda com um quê de conveniência. Fernando Collor de Melo, por exemplo, teve que aceitar Itamar Franco como vice, pois não era conhecido no Sul e Sudeste, onde Itamar gozava de grande credibilidade, o que foi fundamental para a vitória.

A queda de Collor colocou Itamar na presidência e, para a sorte dos brasileiros, ele retomou o espírito inicial do Plano Cruzado, da época de Sarney e, com a contribuição do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Economia, e um grupo de grandes economistas, lançou o Plano Real, que viria a ser fator para o equilíbrio econômico financeiro do País.

Escolher bons vices foi o que fizeram Fernando Henrique e Lula, ambos por duas vezes, demonstrando que, atualmente, o eleitor vê não apenas o candidato majoritário, mas também quem ele tem ao lado. Aliás, "diga-me com quem andas e te direi quem és", já diz a sabedoria popular.

Assim, a figura do vice vem crescendo em importância e a cada eleição esta tem sido uma preocupação, pelo menos de alguns partidos, no momento de montar suas chapas.

*artigo, de autor desconhecido, postado no jornal on-line Folha de Contagem