domingo, 31 de julho de 2011

Impunidade. Até quando?

Matéria publicada no Diário do Litoral (20/06/2011) por Carlos Ratton


Era meio da tarde de 19 de maio de 2010.  O vereador João Santana de Moura Villar, o Tucla (PDT) é executado a tiros, na Rua João Martins Sobrinho, no Jardim Casqueiro, em Cubatão - pólo industrial da Baixada Santista, localizada a poucos quilômetros da vizinha Guarujá.
Tucla é abordado por um homem de moto e alvejado na cabeça. Uma segunda versão afirma que o assassino estaria em uma bicicleta. Ainda respirando, Tucla chega a ser socorrido no Pronto-Socorro da cidade, mas não resiste aos ferimentos.
Seis meses mais tarde, madrugada de 26 de novembro. Três homens chamam o vereador Luiz Carlos Romazzini (PT) no portão de sua casa, no bairro do Jardim Conceiçãozinha, no Distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá
Ao atender, Romazzini é baleado em várias partes do corpo, inclusive na cabeça. O vereador chega a ser socorrido, mas morre a caminho do Hospital Santo Amaro (HSA) – o único público da Cidade. Os assassinos fogem com uma motocicleta da vítima, abandonada poucos quilômetros da residência do vereador.   
Dois recentes casos de violência, dos muitos que fazem parte da história das duas cidades, que possuem um rastro macabro de violência e execuções sumárias, que mancharam de sangue a política regional.     
No caso Tucla, não se sabe até hoje quem apertou o gatilho. Já no caso Romazzini, o autor já está preso e a polícia alega um simples caso de latrocínio (roubo seguido de morte) – como muitos que já ocorreram no município.
De qualquer forma, para boa parte da população de ambos os municípios, Tucla, Romazzini e outros políticos regionais deverão fazer parte das estatisticas dos crimes políticos sem solução, em que os verdadeiros algozes jamais serão punidos.   
É aquele trocadilho famoso afixado no vidro de veículos de quem não tem mais esperança: justiça que tarda, falha. O matador é punido, mas mandante permanece livre, perpetuando uma sensação de impunidade e a certeza que para viver na política das duas cidades é preciso ter, acima de tudo, muita coragem.




Vítimas e mais vítimas
Infelizmente, Romazzini e Tucla não foram as únicas vítimas das balas e do esquecimento. Em Guarujá , em maio de 1997, o vereador Orlando Falcão, de 57 anos, foi baleado quando estava em um bar na Praia da Enseada. Um menor chegou de moto, acompanhado de um homem, e disparou três tiros contra Falcão, que foi socorrido ao Hospital Santo Amaro, mas não resistiu.
Falcão era um dos integrantes de uma comissão de vereadores que investigava venda ilegal de terrenos em Guarujá. O suplente de Falcão foi acusado de ser o mandante do crime. Ele chegou a ser preso e, meses depois, foi absolvido.  
Para Orlando Falcão Filho, a perda do pai foi um verdadeiro desastre para toda a família. “Mês passado, fez 14 anos da morte de meu pai e até hoje os verdadeiros assassinos (mandantes) não pagaram pelo crime que, com certeza, foi político, pois nada foi roubado dele no momento do crime”.       
Em novembro de 2001, o vereador Ernesto Pereira foi encontrado morto com vários tiros dentro do carro dele, a duas quadras de casa, na Avenida Guadalajara. Professor Ernesto, como era conhecido, estava no segundo mandato e tinha 38 anos. O autor foi julgado e condenado, negando a autoria do crime. Os mandantes nunca foram descobertos.
Existe uma versão popular sobre os motivos do crime. A de que o Professor Ernesto estaria prestes a denunciar um forte esquema de jogo na Cidade, que tinha a cobertura de políticos e policiais. Mas as investigações caminharam no sentido de se caracterizar como crime passional (motivado por paixão).     
A mãe do Professor Ernesto, no entanto, descarta esta última versão.   “Foi crime político. Quem manda no Guarujá são os poderosos. A Câmara de Guarujá é um verdadeiro matadouro. Nunca pensei que os políticos fossem tão sujos. Vou lutar até o fim de meus dias para descobrir o verdadeiro assassino”, afirma Ângela Maria Rodrigues.
Em outubro de 2008, o candidato a vereador Willians Andrade Silva, conhecido como Frank Willian, foi executado na Praia da Enseada. Homens que estavam em uma moto dispararam três tiros contra o candidato. Ele tinha 41 anos e morreu em frente à casa de um amigo, na Avenida das Américas. A polícia definiu o crime como revanche em virtude dos antecedentes criminais da vítima. Mas sua morte ainda é um mistério.
O DL não localizou os parentes de Frank Willian. Procurada, a esposa de Romazzini, Juliana Aparecida Ferreira Romazzini, preferiu não comentar mais nada sobre a morte do marido, com quem ficou casada apenas seis meses. Ela não mora mais em Guarujá.    




Cidade diferente, política igual
Cubatão possui inúmeros casos de políticos assassinados e de cabos eleitorais e assessores de vereadores que foram vítimas da política de eliminação de adversários.
Em novembro de 2008, Benavenor Teobaldo da Silva Neto, o Beninha, ex-candidato a vereador pelo PSB, foi executado dentro de sua auto-escola na Vila Nova. A hipótese de latrocínio foi descartada porque nada foi roubado e os assassinos deixaram claro o objetivo de eliminar a vítima, que disputou uma vaga à Câmara Municipal de Cubatão.
A mulher de Beninha presenciou o crime e disse que os criminosos usavam capacetes e abriram a porta de aço, que estava apenas abaixada. Decididos, os desconhecidos não hesitaram e dispararam diversas vezes. Beninha foi atingido na cabeça, no peito, na parte lateral do tórax, no pescoço, nas costas, no braço e no antebraço. Próximo a uma máquina xerocopiadora, não teve a menor possibilidade de defesa e morreu no local. Ninguém foi preso.

Em fevereiro de 2010, o médico cardiologista e ex-vereador de Cubatão, Anis Rahal Maluf, de 60 anos, foi executado com um tiro no peito quando dirigia seu automóvel na Rodovia Cônego Domenico Rangoni.
Após ser baleado, Maluf perdeu o controle do veículo e colidiu duas vezes. Na primeira, o carro bateu a lateral dianteira direita na parede do mesmo lado do túnel da rodovia, perdendo uma calota. Em seguida, atingiu a parede esquerda do túnel com a parte frontal, do mesmo lado. A polícia acredita ter sido caso de crime passional e a população de crime político. De qualquer forma, o autor ainda não foi encontrado.

Prefeitos na mira
Em julho de 2001, o então prefeito Clermont Silveira Castor foi vítima de um atentado, sendo atingido por dois tiros disparados por desconhecidos que fecharam o seu carro. Clermont conseguiu sobreviver, mas a identidade dos criminosos ainda é desconhecida. 
Voltando a conhecida Pérola do Atlântico, em 2010, o ex-prefeito Farid Said Madi teve, por duas vezes, sua residência invadida por marginais, supostamente atrás de dinheiro e pertences da família.
Farid e sua família ficaram sob a mira dos marginais por horas, passando uma série de humilhações. Completamente abalado, o ex-prefeito mudou-se para a vizinha Santos e, pelo que se saiba, não quer mais saber de política. Ele acredita até hoje que o ocorrido ultrapassou a esfera do simples assalto.




Advogado questiona
Ex-policial civil, o advogado Fernando Tadeu Gracia afirma que os mandantes dos crimes precisam ser descobertos e punidos. Mas para isso é preciso dotar a polícia de material humano e técnico. “A sociedade precisa exigir e reagir. Quem será o próximo?”



Com larga experiência em investigação, Gracia acredita que não iriam na casa de Romazzini apenas para roubá-lo. “Se quisessem roubá-lo, o abordariam no centro e não no bairro modesto em que ele morava.   Eu não lí o inquérito, mas existem fortes comentários que os motivos foram políticos e não de roubo seguido de morte”, finaliza.    
Maneco
No caso Romazzini, ano passado o Ministério Público Estadual apontou como réu Manoel Ramos dos Santos, o Maneco, ex-vice-prefeito de Guarujá e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Santos e Região.

Além de denunciar Maneco, o MPE requereu a sua prisão preventiva. Mas o juiz Valdir Ricardo Lima Pompeo Marinho, da 1ª Vara Criminal, do Júri e das Execuções Criminais de Guarujá, indeferiu o pedido quanto à custódia cautelar.
Maneco desqualificou a denúncia e chegou a ser ouvido na fase do inquérito policial, negando qualquer ligação com a morte do parlamentar, apesar de testemunhas apontá-lo como suposto interessado na eliminação do vereador. A Polícia não elencou elementos suficientes no inquérito para indiciar Maneco e o processo se mantém sob segredo de justiça.
Carreira de Romazzini
Romazzini cumpria seu 2º mandato. Havia sido eleito em 2004, com 2.080 votos e reeleito em 2008, com 3.010 votos.  Nas últimas eleições, concorreu a uma vaga na Assembleia Legislativa, recebendo mais de 20 mil votos, sendo o mais votado entre os candidatos de Guarujá. Passada a eleição, já se preparava para outra empreitada política, a candidatura a prefeito, em 2012.
Ele era professor e advogado, graduado em História, pela Faculdade de Ciências e Letras Don Domenico e em Direito, pela Universidade Católica de Santos. Também era pós-graduado em Metodologia e Didática do Ensino Superior e possuía Mestrado em Educação Superior, pela Universidade São Marcos.
Carreira de Tucla
Tucla é natural de Cubatão e estava no terceiro mandato de vereador na Câmara Municipal. O ex-vereador também era formado em Administração de Empresas pela Fundação Lusíada e tinha pós-graduação em Administração Pública e Governo pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).
Tucla candidatou-se pela primeira vez ao cargo em 1992, obtendo 305 votos, ficando na primeira suplência do partido (PTB). Participou da administração do ex-prefeito Passarelli como Gerente da Criança. Em 1996, ficou novamente como primeiro suplente obtendo 626 votos.
Em 2000 veio o primeiro mandato. Elegeu-se com 777 votos e foi o único vereador do seu partido (PFL). Em 2001 foi convidado e aceitou ser o líder do governo Clermont, com quem rompeu no mesmo ano. Em 2004 foi reeleito com 1.214 votos e em 2008 recebeu 1.993 votos (PDT). Tucla também exerceu o cargo de presidente da Câmara. 



Artigo de Romazzini dava panorama da violência 
Em 19 de maio de 2010, uma quarta-feira, às 11h29 – seis meses antes de ser assassinado- o vereador Luiz Carlos Romazzini escreveu um artigo, em seu blog, com o seguinte título: Guarujá – uma zona de guerra.



Conhecido no meio político como um homem muito combativo, o vereador dizia o seguinte: “me perdoem a licença poética, mas vou desfiar a fieira nada poética de crimes envolvendo agentes políticos e que, há anos, mancham o nome de Guarujá. São roubos, denúncias, flagrantes de corrupções e assassinatos, o que fazem de nossa terra uma verdadeira zona de guerra”.
No texto, Romazzini lembrou da morte do empresário conhecido como Gilmar da Funerária, dos tiros no comitê do ex-deputado estadual Nelson Fernandes (candidato a prefeito de Guarujá), da morte do vereador Falcão e do vereador Ernesto, entre outras pessoas ligadas à política local.

“Tivemos também o assalto ao Banespa, cuja culpa recaiu sobre o ex-prefeito Ruy Gonzalez, bem como tivemos ainda o assalto à casa do ex-prefeito Maurici Mariano, já falecido. Na corrida eleitoral de 2004, tivemos o atentado ao carro do Nelson Fernandes e, após a eleição, a coisa esquentou ainda mais, pois tivemos o seqüestro da mãe do secretário Pieroni”, escreveu.



Em seu artigo, o Professor Romazzini já levantava suspeitas que adversários queriam calá-lo: “a trama gravada, na qual planejavam a minha morte, e a tentativa, quando pegaram meu carro em Vicente de Carvalho, na eleição de 2006. Tudo isso denota ser de alto risco fazer oposição a este quadro macabro”.

O jovem político termina seu artigo da seguinte forma: “há um ditado espanhol que diz: não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Começo a crer que ostentações, ligações perigosas e ambição desmedida estejam entornando o caldo da política nesta Ilha. E que há algo de podre não apenas no Reino da Dinamarca”.