domingo, 31 de julho de 2011

Os porões da Procuradoria

Matéria publicada no Diário do Litoral (11/07/2011) por Carlos Ratton

O Ministério Público (MP) de Guarujá instaurou inquérito civil (24/11-PP) para apurar denúncia daquele que pode ser considerado um dos maiores crimes contra o patrimônio público da Cidade, principalmente porque não há como calcular o tempo em que ele vem sendo praticado e quantas pessoas estariam envolvidas.


Ao que tudo indica, esse é o primeiro caso desvendado. Porém, Segundo apurado com exclusividade pelo Diário do Litoral (DL), pelo menos quatro dos cerca de 20 procuradores da Prefeitura, dois funcionários, lotados na Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, e um advogado conhecido na Cidade estariam no esquema já conhecido popularmente como o Esquema de Precatórios de Guarujá.

O inquérito - que apura improbidade administrativa e prejuízo ao erário - está sob os cuidados do sexto promotor público do Município, André Luiz dos Santos, que já está pedindo providências à Administração Municipal (ver matéria complementar).

A denúncia foi feita por outro procurador da Prefeitura que, segundo consta nos autos, estaria sendo vítima de uma armação, que culminou com uma acusação de crime assédio sexual, na tentativa de intimidá-lo e desencorajá-lo de denunciar o esquema, que já teria sido responsável, pelo menos nesta denúncia, por desviar milhões dos cofres públicos.

Até que as denúncias sejam totalmente apuradas, o promotor André dos Santos optou por não conceder entrevista ao DL que, pelo mesmo motivo e apesar de possuir cópias dos autos, não irá publicar, num primeiro momento, os nomes dos procuradores envolvidos para não atrapalhar os levantamentos que ainda serão realizados pelo MP.

As denúncias indicam desaparecimento de processos públicos, fraudes de certidões imobiliárias e prestação de serviços de advocacia por parte de procuradores da Prefeitura para terceiros, contra a própria Administração Municipal, em processos de precatórios públicos. Até a perda de prazos propositadamente foi denunciada.

Parece muito, mas as denúncias envolvem ainda acordos judiciais no Tribunal de Justiça (TJ) sem o conhecimento dos setores de Precatórios e Contadoria da Prefeitura, causando danos irreparáveis aos cofres municipais.

Se as denúncias forem comprovadas, o promotor André dos Santos poderá, além de pedir a devolução do dinheiro, denunciar os acusados pelo crime de tergiversação – praticado por advogado ou procurador que defende na mesma causa partes contrárias – que prevê pena de seis a três anos de detenção.

Já o conhecido advogado e as pessoas beneficiadas podem responder por corrupção ativa – oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para induzir a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.



Desconfiança da secretária

Segundo consta nos autos, em fevereiro de 2010, o procurador que fez as denúncias foi designado pela então secretária de Assuntos Jurídicos da Prefeitura, Fábia Margarido Alencar Daléssio, para chefiar a Divisão de Contas Municipais (Setor de Precatórios). Fábia Daléssio, segundo o procurador, desconfiava de problemas no setor.

Ao assumir, o procurador constatou a ausência de várias pastas. Ele sugeriu, com urgência, que o sumiço dos documentos fosse investigado por uma comissão de servidores públicos e que fosse formalizado um boletim de ocorrência (BO) na delegacia de Polícia de Guarujá.

Em 20 de julho, descobriu que uma procuradora, apesar de estar licenciada, havia feito um acordo no TJ, junto com o advogado da parte contrária à Prefeitura, na ordem de poucos mais R$ 6,3 milhões, contrariando cálculos feitos pela Controladoria Municipal e por um contador judicial, que estimavam a metade do valor acordado. O nome do desembargador do TJ também está sendo preservado para não atrapalhar a apuração dos fatos pelo MP.

“A petição formulada pela procuradora com a parte contrária é ilegal, porque fere frontalmente a lei, os princípios constitucionais da administração pública e o interesse primário do Município. Formulou petição em conjunto com a parte contrária sem estar investida do cargo e sem autorização superior”, afirma o denunciante nos autos. Ele sugeriu que Fábia Daléssio abrisse processo administrativo disciplinar contra a procuradora.

Perseguição

O procurador, que é concursado na Prefeitura desde 1991, explica nos laudos que, a partir deste fato, começou a perceber certo descontentamento geral de alguns colegas procuradores que trabalhavam no setor.

“O convívio dentro da Secretaria Jurídica tornou-se difícil, muito difícil. São olhares atravessados, frases indiretas soltas no ar. Situações que, por exemplo, não ocorreriam em países de primeiro mundo, onde a coisa pública é encarada com seriedade”, afirmou o procurador denunciante no processo.

Ainda segundo ele, a situação foi se agravando mediante a descoberta de fatos estranhos que estavam ocorrendo na Secretaria de Assuntos Jurídicos, principalmente ligados a pedidos de certidões negativas de arrematantes de imóveis em ações de cobrança de cotas condominiais. Fábia determinou a análise dos processos e a apresentação de provas.

A armação

Em agosto do ano passado, ele foi chamado pela secretária Fábia Daléssio que lhe comunicou que havia recebido documentos de procuradores que o acusavam de assédio sexual contra uma adolescente de 15 anos. A Prefeitura optou por abrir sindicância administrativa para apurar o caso que está sob sigilo.

Mediante a esse episódio e acreditando ser o início de uma armação para intimidá-lo, o procurador tomou a iniciativa de, no mesmo dia, comunicar o fato à prefeita Maria Antonieta de Brito e à Promotoria da Infância e Juventude de Guarujá.

Para se resguardar, o autor das denúncias entrou com um mandado de segurança na Justiça local e, nesse documento, ele cita que os procuradores denunciados se apresentaram como testemunhas da menor “reunidas como uma platéia de teatro que vai assistir à montagem da triste história da adolescente assediada”, salienta no documento.

Ele também afirma que consta na denúncia a assinatura de uma pessoa não identificada, que a menor não foi ouvida por nenhuma autoridade responsável pelo termo de representação e que no documento existem palavras incompatíveis com a linguagem da menor, porém próximas com as de um advogado, como: ostensivamente; finalidades escusas; intenções duvidosas e outras.

“Sem sombra de dúvida, as frases digitadas no termo não foram ditas pela adolescente”, revela o procurador, entre dezenas de outras atitudes ilegais cometidas, segundo ele, no ato da apuração, como dois colegas denunciados por ele serem testemunhas.

Na promotoria, o procurador foi acompanhado pelos advogados públicos municipais Gustavo Guerra Lopes, Frederico Antonio Gracia (atual presidente da OAB de Guarujá) e José Rodrigues Tucunduva Neto (ex-vice-prefeito do Município). O MP requisitou a instauração de inquérito policial.

“Essas acusações da adolescente são mentirosas e têm a finalidade de tentar dar um cala a boca em virtude da ocorrência de fatos ilícitos no setor de precatórios, que é extremamente delicado porque cuida de milhões de reais que o município é condenado a pagar”, afirma o procurador no mandado.

Ele lembra que não foi o primeiro a sofrer pressão, citando que outro colega também já havia sido vítima de boatos caluniosos e, por sinal, acabou sendo substituído pela procuradora que ele acusa de firmar acordos prejudiciais à Administração.

A investigação

A investigação promovida pelo DL durou 15 dias. Durante este período, a reportagem ouviu várias pessoas – que não quiseram se identificar - e versões sobre o caso até chegar no autor das denúncias que apesar de, num primeiro momento, concordar em encaminhar os documentos e dar entrevista, estranhamente optou pelo silêncio.

Na última terça-feira (5), o DL descobriu que o autor havia sofrido um enfarto, talvez pela pressão dos fatos e que estaria em plena recuperação. No dia seguinte(6), soube pelo presidente da OAB, Frederico Gracia, que o MP solicitou o arquivamento das denúncias de assédio sexual que pesavam sobre ele por falta de provas.

MP recomenda ação da Prefeitura

O promotor público André Luiz dos Santos encaminhou recomendação à prefeita Maria Antonieta de Brito. Ele sugere “uma verdadeira auditoria no Departamento Jurídico da Prefeitura, com a revisão de processos em que os cofres públicos podem ter sido lesados”.

Segundo despacha o promotor, apesar da relevância e passados sete meses das primeiras denúncias, a informação da Prefeitura foi de que há apenas um pedido, ainda não processado, para instauração de um processo administrativo contra a procuradora. Ou seja, nenhuma providência significativa foi tomada.

“A recusa ou inércia na apuração de prováveis ilícitos administrativos também pode configurar omissão no exercício do poder-dever de administração, o que afronta aos princípios da legalidade, da eficiência e da impessoalidade”, afirma o promotor.

Em seu despacho, o promotor recomenda abertura de sindicância e processo administrativo para apurar as condutas da procuradora denunciada, além de uma auditoria no Departamento Jurídico da Prefeitura, com duração máxima de seis meses – setembro de 2011 – para apurar ilegalidades promovidas por agentes públicos.

André Luiz dos Santos finaliza solicitando que a Administração encaminhe, mensalmente, relatórios ao MP de tudo que já foi descoberto. Até o final da tarde da última quinta-feira (7), dia do fechamento desta reportagem, a Prefeitura não havia se manifestado sobre o assunto.