domingo, 31 de julho de 2011

O outro lado do pré-sal

Matéria publicado no Diário do Litoral (13/06/2011) por Carlos Ratton

Existe a previsão de que até 2013 sejam investidos R$ 18,6 bilhões na ampliação do Porto de Santos e no início da exploração do pré-sal na Baixada Santista. E, na expectativa desse aporte financeiro, as nove cidades que compõem a região apostam no crescimento econômico e geração de empregos. Até uma nova divisão dos royalties está sendo discutida no Senado e na Câmara Federal.

Santos, por exemplo, estima 11 mil empregos diretos e indiretos até 2014, além de 30% de aumento de postos de trabalho na cidade. Guarujá e Praia Grande pretendem investir em aeroportos; Cubatão e Bertioga em estaleiros e São Vicente em áreas industriais.
Prevendo o impacto, a companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) está melhorando o sistema de abastecimento de Manbu Branco, para triplicar o volume de água da Baixada Santista – um investimento de R$ 413 milhões, que irá favorecer cerca de dois milhões de pessoas.
Tudo estaria perfeito se não fosse alguns questionamentos, preocupantes, apontados em um recente estudo apresentado em uma universidade da região e que, por sinal, vão ao encontro de pontos levantados por dois estudiosos procurados pela reportagem.
Entre os questionamentos estão o seguinte: existe infraestrutura capaz de absorver tamanho crescimento? Há algum trabalho de ampliação dos leitos hospitalares, de vagas nas escolas públicas, do transporte público e da malha viária? Já foi avaliado o aumento do lixo? Não bastando tudo isso, a população da região está preparada para suprir a mão-de-obra que será oferecida?

Segundo levantamentos do último Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), de todas as metrópoles paulistas, a Região Metropolitana da Baixada Santista é a penúltima colocada em escolaridade, perdendo somente para a região do Vale do Ribeira.

Em uma pesquisa intitulada Horizontes do Litoral Paulista ficou evidenciada que a falta de infraestrutura no litoral é fruto de mais de 20 anos de crescimento populacional sem o devido planejamento e investimentos dos governos estadual e federal. Quando será resolvido, por exemplo, o problema da travessia entre Santos e Guarujá?

Vale lembrar que a região possui 1,6 milhão de habitantes fixos (cerca de 700 habitantes por quilômetro quadrado) – número que chega a triplicar nos feriados e na temporada de verão. Somente como constatação, só existe um hospital estadual, o Guilherme Álvaro, e já está mais do que comprovado que os demais hospitais existentes já têm dificuldades para atender a demanda regional.

Ônus ambiental

A região possui belas praias, marinas e muitas áreas de preservação ambiental que, se por um lado atraem a vocação turística, por outro encarece o custo de vida. É bom lembrar que 70% da região são áreas de proteção ambiental e 80% da população se concentram em quatro cidades: Santos, Praia Grande, São Vicente e Guarujá. Essas duas últimas com milhares de pessoas ainda morando em favelas, morros e palafitas.
Com a demanda de pessoas que migrarão para a região em busca de oportunidades, a tendência é que mais pessoas de baixa renda mudem para cidades vizinhas, áreas continentais (com estrutura ainda mais precária) e até para as favelas.

Estudos apontam outro fator: segundo pesquisadores, a região receberá mais investimentos, mas também arcará com o ônus ambiental e social em conseqüência do acelerado desenvolvimento e explosão demográfica, que deverá afetar a qualidade de vida da população e do meio ambiente. Ou seja, mais gente, mais esgoto e lixo na natureza.
O pesquisador Alberto Jakob, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Universidade de Campinas (Unicamp), teme os impactos da ampliação do porto. Para ele, o afundamento do canal do estuário pode levar a uma agressão ao meio ambiente ao se revolver e trazer à tona metais pesados que se acumularam no fundo do mar, que também será perfurado em virtude do pré-sal causando impactos ainda no ambiente marinho.

Exemplos

Para o professor da Universidade Santa Cecília (Unisanta) e Presidente da Rede Cidadania, Alfredo Cordella, a história é rica em exemplos de comunidades urbanas locais e nacionais que viveram momentos de elevadas taxas de crescimento econômico não acompanhadas por níveis desejáveis de desenvolvimento social. Casos mais específicos revelam que, algumas vezes, o crescimento econômico provocou, também, severos impactos ambientais negativos.
Ele afirma que era preciso, antes de tudo, uma discussão ampla sobre a exploração do pré-sal e os seus impactos na região. “O exemplo de Cubatão é típico na Região da Baixada Santista. O referido município viveu, décadas passadas, um processo de industrialização mal planejado e, a despeito do crescimento econômico, (até recentemente Cubatão era o maior PIB da região) enfrentou sérios episódios de poluição química ambiental”.

Pontos de vulnerabilidade

Para Alfredo Cordella, o primeiro ponto fraco regional é a questão de moradia. A chegada de contingentes humanos deverá provocar impactos na ocupação do solo e redistribuição do poder de compra nos diversos sistemas urbanos. “No caso de Santos, por exemplo, já se cogita da expulsão das populações de baixo poder aquisitivo em função do aumento no preço dos imóveis”.

Cabe destacar, também, segundo ele, as ameaças subjacentes a ocupações em áreas de preservação e inchaço de assentamentos urbanos de infra-estrutura precária.

A mobilidade intraurbana e interurbana também são apresentadas como focos de impactos potenciais, segundo o professor. As discussões limitam-se à superficialidade. Ouve-se, apenas, que o trânsito de veículos particulares e coletivos está uma calamidade (e tende a piorar). Pouco se associa o tema da mobilidade interurbana e intraurbana com a produtividade.

“As cidades da Baixada Santista precisam de produtividade e, imobilizado no trânsito caótico e mal orientado, o nosso capital humano deixará de produzir com a eficiência devida. Falta, nesta discussão, também, outras variáveis essenciais. O binômio mobilidade urbana e produtividade deve ser tratado em conjunto com fatores relativos ao valor da acessibilidade e ao custo da proximidade.

O professor Cordella afirma que outros fatores importantes, como abastecimento de água, coleta e disposição do lixo, merecem atenção. “Nossos mananciais apresentam limites de atendimentos, principalmente em épocas de crescimento da população flutuante. Estima-se um crescimento do volume de lixo gerado na região da Baixada Santista em 23% até 2025”, comenta.

O especialista também alerta sobre o esgotamento sanitário e o sistema de saúde. “Na outra ponta, o lançamento de esgoto sem tratamento deverá aumentar em 22%, no mesmo período, e a Baixada Santista deixa poucas opções de atendimento de qualidade para a população nativa, imagine a sobrecarga populacional esperada, já nesta década”.

Cordella finaliza dizendo que é preciso, no entanto, abrir canais de participação e mobilização social para que as comunidades urbanas da Baixada Santista, alinhadas com a exploração econômica do pré-sal, possam se manifestar e fazer valer seus desejos e expectativas, não somente pelo voto eleitoral.

Efeitos danosos
Para o professor Rubens Ulbanere, livre docente em Administração na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), “em todas as áreas do conhecimento têm sido notáveis as descobertas e o desenvolvimento tecnológico. Mas, infelizmente, alguns desses achados causam efeitos danosos de tal impacto, que se discute a relação benefício/custo dessa conquista. É o caso do petróleo. É o caso do pré-sal”.
Ulbanere lembra que, na década 60, a Holanda teve uma experiência inusitada, a qual ficou conhecida como doença holandesa. Houve uma alteração nos preços do gás, que aumentou de forma substancial as receitas de exportação, valorizando o florim (moeda da época). O excesso de exportações de gás derrubou as operações com os produtos manufaturados, em face da falta de competividade, prejudicando inúmeros setores.

O professor alerta que na região que compreende os nove municípios do litoral do Estado de São Paulo, esse fenômeno existe há muito tempo e pode ser intitulado de Síndrome da Baixada. Um pouco diferente do processo verificado na Holanda, os efeitos são imediatos e causam prejuízos diretos à população.

“Todos se lembram do eco regional quando da inauguração da pista descendente da Rodovia dos Imigrantes, em 2002. Os preços dos imóveis tiveram um acréscimo médio de 20%. Recentemente, políticos estiveram na Baixada e ‘inauguraram’ um exemplar da maquete da ponte de interligação de Guarujá-Santos, com a promessa de que as obras seriam iniciadas rapidamente. Os preços dos imóveis subiram 30%. Também recentemente, a Praia do Tombo, em Guarujá, recebeu a certificação ambiental intitulada Bandeira Azul. Imóveis negociados antes do anúncio são oferecidos atualmente pelo dobro do preço”, explica.

Para Ulbanere, com esses argumentos, o mercado incluiu também o fenômeno do pré-sal com destaques, justificando o aumento de preços. Essas ações são incontroláveis, porém, são formadas bolhas fictícias de preços, os quais elevam sobremaneira o custo e o preço final dos demais fatores de produção “Assim, donos de restaurantes têm sua justificativa e vendem um frasco de água de 300 ml, por R$ 4,70, refrigerantes com 350 ml por R$ 4,60 e aplicam os preços de pratos do cardápio que tornam invejáveis os preços praticados na Grande São Paulo. Não se discute a responsabilidade, pois com o aumento dos preços dos aluguéis, o empreendedor tem que corrigir seus preços. Porém, o consumidor que não consegue ter o salário corrigido na mesma proporção é quem acaba ficando com todo o prejuízo”, garante.

Falácia

O professor afirma que a “falácia” sobre o pré-sal gerou uma série de efeitos negativos e há outras questões a serem resolvidas quanto ao processo do produto, como o transporte do óleo prospectado e os riscos de acidentes. Ele defende que seja qual for o evento gerador do ‘milagre’ (pista descendente da Imigrantes; ponte Guarujá/Santos; Bandeira Azul ou Pré-Sal), há perguntas que a população deve fazer às autoridades.

Entre elas a seguinte: “dos royalties projetados, quais serão as melhorias com a extensão das avenidas; criação de creches; adoção de programas de alimentação escolar; ampliação do transporte de massa e outros serviços públicos?”.
Ulbanere vai mais além. Para ele, basta de conversas filosóficas de que no ano de 2020 o Brasil será a quinta economia do mundo; de que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro será de 2 trilhões de dólares até 2015 e o pré-sal gerará tantos milhares de empregos.
“O importante é refletirmos sobre como poderemos alimentar 30% da população da Baixada, que está com dificuldades? Como atender os pacientes em filas dos poucos hospitais que contam com equipe médica completa; equipamentos e recursos? Como melhorar os serviços do transporte urbano; aumentar o número de vagas nas creches e nas escolas?”

O professor finaliza dizendo que as ações desejáveis para a população que almeja um futuro melhor podem ser resumidas em duas atitudes: zelar pelo meio ambiente e não aceitar a elevação de preços, procurando sempre alternativas. “Não vivemos de ilusões”.

Comparando com Macaé (RJ)
Um estudo realizado em 2007, por dois alunos de Geografia e um de Engenharia, intitulado Desafios Para o Desenvolvimento Sustentável no Município de Macaé-RJ, coordenado pelo professor Romeu e Silva Neto, doutor em Engenharia de Produção pela Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), pode ser utilizado como exemplo do que pode ocorrer na Baixada Santista com a vinda do pré-sal.
Os estudantes detectaram que a ascensão do município de Macaé na rede urbana em escala nacional criou uma grande euforia, como na Baixada Santista. Notícias sobre o destaque do município no cenário econômico nacional, publicados por revistas e órgãos especializados em negócios, causaram um forte impacto na mídia local, dominada pela elite política macaense e que se utilizou das informações como prova de eficiência política.

Eles revelaram no estudo que a ideologia da prosperidade econômica impregnou na população, especialmente as pessoas que, direta ou indiretamente, se beneficiaram da explosão econômica, a ponto das mudanças urbanas causarem a impressão de que a cidade estava num processo de ingresso na moderna economia globalizada.

Porém, a grande concentração de empresas do setor petrolífero e prestadoras de serviços no espaço urbano foi efetuada de forma precária e sem planejamento. “A cidade, desde o início, não contava com uma infra-estrutura adequada à grandeza dos empreendimentos que foram sendo construídos.

 Nos diversos trabalhos de campo realizados na cidade, notou-se que, em muitos lugares onde empresas da cadeia produtiva do petróleo e gás se instalaram, possuem uma infra-estrutura ruim”, apontaram os então estudantes. Segundo o estudo, ficou latente a incapacidade do poder público em responder às necessidades do dinâmico setor e as dificuldades das empresas de encontrarem áreas para se instalarem, pressionando o poder público local a arcar com obras que, posteriormente, iriam valorizar o local.
“A demanda cada vez maior por terrenos pelas empresas do setor petrolífero determinou um intenso processo de especulação imobiliária e de inflacionamentodo solo urbano. Grandes, médias e pequenas empresas foram transformando o espaço urbano local, por intermédio de ocupações intensivas em áreas florestadas, na modificação da forma do relevo e mesmo na pura e simples poluição dos recursos hídricos e dos solos”, explicaram os estudiosos.

Empregos e habitação precária
O trabalho desenvolvido pelos alunos também apontou que a grande oferta de empregos formais em Macaé causou um aumento populacional. “Como todo processo de forte urbanização no Brasil, o caso macaense foi permeado de contradições decorrentes, principalmente, da heterogeneidade da população imigrante e pela ocupação desordenada”.
O estudo também salientou a proliferação de condomínios horizontais para a população de alta renda e o impedimento do acesso das melhores áreas pela população de menor renda, causando ocupações ilegais. “A população de baixa renda foi incapaz de se inserir no mercado de trabalho formal, não podendo comprar os cada vez mais inflacionados terrenos de Macaé”.
Finalizando, o estudo apontou que a segregação sócioespacial aliada à especulação imobiliária fez com que pessoas de baixa renda ficassem reféns da especulação imobiliária, em que comercializava terrenos desvalorizados e sem nenhuma infra-estrutura urbana, “criando uma demanda para o poder público pela construção de infra-estruturas adequadas para essas populações”. Ou seja, Macaé cresceu sem planejamento.